sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Transplantando árvores

Um amigo perguntou se é possível transplantar uma jabuticabeira que ele estima ter 50 anos de idade, apesar de não ser muito grande. Não tenho possibilidade de ver a árvore, estou a mais de 3000km de distância. Tampouco tenho experiência em transplantes de espécies grandes, mas sei que é possível fazê-lo.
Aproveito para postar a resposta que mandarei a ele, porque acho que pode interessar a mais gente e, principalmente, porque quero saber se esqueci algo crucial. Quem quer colaborar?


A pergunta

Olá Elê.

Aqui no terreno em que estão construindo umas casas tem uma jabuticabeira de uns 50 anos. Mas apesar da idade não é nenhum monstro de tamanho.
Seria possível transplantá-la pro meu quintal? Imagino os riscos do trampo mas gostaria de salvar a árvore.
Que acha?
Bjs.


E a resposta

Oi


Não dá para responder de forma curta, porque a cada coisa que escrevo, lembro de mais um aspecto importante. Então, vai em estilo manual mesmo, tentando descrever todos os aspectos envolvidos. Espero que ajude e estou à disposição se ficar alguma dúvida.
Não se assuste com o tanto de informação e, quando decidir e conseguir a autorização (veja o item sobre legislação), faça o transplante e me conte, ok? Pode parecer mais complexo do que realmente é.
Também há empresas que fazem esse serviço, posso procurar se tenho alguma referência aqui para te passar, eles podem te dar um orçamento e assessoria mais experiente.

Mas vamos ao que interessa. É possível sim transplantar a jabuticabeira.


O certo é fazer o transplante com tempo, de forma planejada, fazendo uma sangria. Trata-se de abrir uma canaleta em volta de 1/3 da raiz da árvore, colocar estopa ou saco de juta na parte externa dessa vala e encher com substrato (veja abaixo). Ai espera-se um mês para que esse terço solte novas raízes e faz-se o mesmo com o segundo terço. Mais um mês de espera e faz-se o último terço, já tirando o torrão da árvore e transplantando para o local definitivo.
Esse anel deve ser o mais longe do tronco possível, o legal seria deixar um raio de pelo menos 80cm a partir do tronco. Quanto menos se cortarem as raízes, melhor. É também muito importante que o torrão não quebre ao transplantar a árvore, para não abalar as raízes que ficaram.

Quando for efetivamente fazer o transplante, faz-se uma poda da parte aérea da árvore. Pode dois terços dos galhos e folhas, deixando um terço da parte aérea. Isso serve para a árvore não gastar energia mantendo as folhas e para que não perca água por transpiração, já que a prioridade dela será primeiro lançar novas raízes antes de voltar a crescer folhas. Sem raízes, ela não se alimenta.
O crescimento de folhas pode levar meses até começar. Para saber que a planta continua viva, podemos raspar a parte superficial de algum galho e ver se continua verde, o que significará que a seiva continua circulando. Mas não faça isso demais porque são feridas que ela terá que cicatrizar.

Como estamos no fim do verão (ela vegeta - cresce mais - na primavera e no verão) e quase entrando no outono, a tendencia é ela economizar energias e já não crescer tanto.

[Se precisar acelerar o processo, faça a sangria em duas metades: uma agora, espera um mês e logo retira a árvore.
Se essa espera também não for possível, veja se dá para esperar pelo menos 15 dias, ou então faça de uma vez só... mas ai já é bem mais arriscado.]

Antes de tirar a planta, amarre um cordão vermelho (ou outra cor chamativa) voltada para o norte (ou a parede do fundo, por exemplo, já que o transplante é perto) para poder plantar ela na mesma posição em que estava, pois a planta já está acostumada a essa insolação e direção dos ventos.


O preparo do berço (buraco para onde ela vai): é importante que seja o maior possível.
O buraco deve ser quadrado, assim as raízes encontram uma barreira que conseguem furar (quando é redondo elas muitas vezes enroscam acompanhando a parede e isso funciona como se fosse um vaso e a planta já não se desenvolve tanto quanto poderia).
Ao fazer o berço, peça para fazerem dois montes, um com os 20 a 30cm de cima da terra retirada (essa camada superficial é a parte que contém nutrientes) e outro com o resto. Nessa porção superior, misture calcário dolomítico (não é cal de construção), que ajuda a equilibrar o pH da terra (o ideal é ter um pH neutro entre 6 e 7).
Se quiser, compre o peagâmetro para medir o pH, mas dá para ir por aproximação sem muito erro. Os solos de São Paulo são invariavelmente ácidos, então temos que corrigir o pH (isso se chama calagem) adicionando calcário dolomítico. Se não fizermos isso, não adianta colocarmos outros adubos, pois a planta num solo ácido não consegue absorver os nutrientes (a não ser que seja uma planta que gosta de solo ácido, a minoria).
150g de calcário dolomítico por metro quadrado corrigem um ponto de acidez. Se for fazer sem medição, suba 1,5 pontos - ou seja, use 225g de calcário por metro quadrado. Eu tenho um monte de calcário em casa. Pede ao meu irmão. Está (...), lado direito. É um saco plástico com um pó branco que está aberto e amarrado. Pozinho chato, cuidado para não aspirar! Basta polvilhar naqueles 20 a 30cm mais superficiais que vamos separar e incorporar bem. A calagem deve ser feita pelo menos 30 dias antes.


Quanto ao substrato de plantio, vamos fazer uma mistura de 1/3 de substrato (por exemplo da marca Biomix, à venda no CEASA ou em garden centers como o da Av. dos Bandeirantes - o CEASA é bem mais em conta) + 1/3 de areia de construção média ou grossa (ajuda na drenagem) e 1/3 da terra do jardim que você tirou ao fazer o buraco - aquela camada superficial que recebeu a calagem. Se precisar, complete com algo da parte mais de baixo da terra. Importante quebrar bem os torrões e tirar todas as pedras, lixo etc. dessa terra que sai do berço.
Ainda no plantio, vamos decidir se você irá manter a jabuticabeira de forma orgânica (mais saudável e natural e sem adubos químicos ou agrotóxicos) ou química, com adubos químicos como o NPK e agrotóxicos quando forem necessários (mais fácil). Eu voto pelo orgânico, por se tratar se uma frutífera e porque sei que na sua casa as coisas crescem bem mesmo quando não lhes damos nenhuma atenção. Com o trato do berço na hora do plantio então, irá de vento em popa.


Na hora do plantio, é também muito importante que o nível do chão permaneça o mesmo. É preferível plantar a árvore um pouco mais alta que o chão (15cm), já que a terra irá invariavelmente ceder com o tempo. Não devemos compactar demais senão as novas raízes terão muita dificuldade em crescer. Ela nunca deve ficar mais baixa que o nível do solo, porque se o colo (um ponto entre as raízes e o tronco, não dá exatamente para identificar) for coberto, isso trará doenças futuras (o que pode demorar anos e até décadas para acontecer, mas certamente diminui a expectativa de vida e a saúde da árvore, afetando o crescimento, a frutificação, a resistência).


Para carregar a jabuticabeira há diversas formas, dependendo do tamanho e do peso dela. Uma tentativa pode ser a de passar uma corda no torrão, ai duas ou quarto pessoas erguem o torrão pela corda e mais uma ou duas erguem a copa amarrada (previamente podada como já descrito acima). Ao caminhar, é importante que o torrão vá na frente abrindo caminho, pois facilita o plantio.
Talvez seja necessário um caminhão-munk? Em agosto de 2008 o aluguel de um munk custava entre R$ 80,00 e R$ 100,00 a hora.


Quanto às regas, frequencia e quantidade, a jabuticabeira AMA água, ela bebe muito. O sistema ideal de rega dela é o por gotejamento, ou seja, fica pingando água nela 27 horas por dia, 7 dias por semana (se não chover) para sempre manter a umidade do solo constante. Isso requer a instalação de uma mangueira ou cano de PVC furado que fique pingando sempre e pode ficar no caminho, ficar incômodo se for feito no estilo caseiro. Pode também regar a primeira vez depois colocar uma garrafa PET furada que vá pingado constantemente e que é enchida sempre que necessário.
Um sistema de irrigação automatizado é muito legal, mas requer investimento e o trabalho de uma empresa especializada.
Então, de qualquer forma, lembre-se de regá-la todos os dias até o enraizamento - você saberá que ela enraizou ("pegou") quando começarem a surgir novas folhas. Depois, como ela estará no solo e não num vaso, ela se vira melhor por conta própria e deverá ser regada em épocas de estiagem. Não deixe faltar água para obter mais frutos saborosos!


Legislação
Essa jabuticabeira não pode sair do terreno onde está sem a devida autorização da prefeitura.
A lei municipal de São Paulo no 10.365/87 regulamenta a poda ou o corte (e o transplante) de árvores no município. Ela também diz que se você tiver um "bosque" (três espécies de árvores distintas no mesmo terreno) pode solicitar desconto no IPTU desse imóvel. Mas ai você é bem mais qualificado para estudar a legislação do que eu, divirta-se!
E há uma portaria de no 26/2008 da SVMA que regulamenta de forma mais estrita ainda essa lei, dizendo que árvores poderão, com a devida autorização, ser transplantadas dentro do mesmo terreno no caso de obras.
Saiba disso, pois há multa, implica em compensações ambientais e atinge o dono do terreno, a pessoa que está trabalhando na árvore e demais envolvidos.
Aqui você acha uma listagem da legislação ambiental federal, estadual e municipal.


Do site da prefeitura:
"Para poda de árvores em terrenos de propriedade privada, o munícipe deve obter autorização, mediante solicitação por escrito, na Praça de Atendimento da Subprefeitura do bairro, contendo exposição de motivos e informação sobre a espécie da árvore. Deve anexar também croquis de localização da árvore no terreno, cópia do carnê do IPTU e de comprovante de endereço (conta de água ou luz). A autorização será concedida somente após vistoria do local, efetuada pelo engenheiro agrônomo da Subprefeitura em que está localizado o imóvel.
"
A autorização pode ser solicitada no site, na subprefeitura.


Outros materiais interessantes:
* Manual técnico de arborização urbana da Prefeitura
* Manual técnico de poda da Prefeitura

11 comentários:

  1. Olá gostaria de saber se para transplantar uma manguba ou castanheira é o mesmo procedimento?

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  2. Oi Bianca

    Se estivermos falando da Pachira aquatica (castanheira, monguba, cacau-selvagem), que é uma árvore perene (não perde as folhas no inverno), siga o mesmo método. Se puder escolher a época, faça quando ela estiver com maior crescimento, já que terá mais predisposição a lanças novas raízes e mais forças para recuperar-se do transplante.
    Aonde está a árvore - cidade, estado e lugar?

    Já se fosse a castanheira portuguesa (Castanea sativa), árvore caduca (perde as folhas no inverno) seria conveniente esperar que esteja sem folhas para fazer o transplante, já que a árvore terá 'economizado' forças em seu tronco para rebrotar na primavera (dormência). Espere o inverno para fazer o transplante. O restante do procedimento é bem similar, podendo a sangria ser feita com intervalos menores - mas se tiver tempo de fazer o processo completo, melhor.

    Obrigada pela consulta, espero que tenha bons resultados. saiba que sempre há riscos - verifique primeiro se parece saudável e forte e depois conte como foi.

    Abraço,

    Elena sem H

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  3. Olá Elena, a árvore está em uma calçada, em Sao Jose do Rio Preto, (diga-se de passagem um lugar mto quente), interior de São Paulo, a espécie é a monguba mesmo e ela tem uns 15 anos de idade. o que tenho de informação é que ela retem água nas raízes e meu medo é corta-las e a árvore apodrecer, gostaria mto de salva-la e estou sendo obrigada a retira-la pois as raizes estão danificando os encanamentos.

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  4. Bianca

    cabe a possibilidade de consultar um profissional especializado em transplante de exemplares quanto à poda de raízes. Em alguns casos as raízes que se tornam muito superficiais significam que a árvore está em busca de água, que a água não penetra mais fundo e portanto ela lança raízes superficiais para alcança-la. Talvez fosse o caso de tentar uma poda de raízes aliada a regas mais frequentes para que a água chegue mais fundo evitando que as raízes novamente cresçam na superfície.
    Essa avaliação deverá ser feita por um profissional que possa ver a árvore no local.
    De todos modos acredito que um transplante possa ser feito com sucesso se feito com tempo para restabelecimento das raízes, mas somente alguém com experiência (eu falo de teoria) pode assessorar você devidamente.
    A empresa Trees talvez possa indicar alguém - www.trees.com.br

    sucesso no transplante!

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  5. Olá, gostaria de saber quais são os procedimentos e os custos envolvidos para transplantar tres especies de árvores (ambas de grande porte), sendo um "Ipê", uma "Canafístola" e uma "Farinha Seca".
    Agradeço desde já.

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  6. Olá, gostaria de saber quais são os procedimentos e os custos envolvidos para transplantar tres especies de árvores (ambas de grande porte), sendo um "Ipê", uma "Canafístola" e uma "Farinha Seca".
    Agradeço desde já.

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  7. Oi Amanda

    Não faço transplantes de árvores grandes, procure alguma empresa que se dedica ao assunto - recomendo a trees (www.trees.com.br), por exemplo.
    Desejo que o transplante dos exemplares ocorra com sucesso.

    Elena

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  8. Elena, parabéns pelo post. Acredito que não esqueceu de nada. São todas as informações que também tenho. Estou divulgando seu link para alguns clientes, respeitando os créditos, ok?

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  9. Olá Elena
    Transplantei 2 Jaboticabeiras de mais de 20 anos. Nem tudo saiu bem. Elas pesavam mais do que eu imaginava. E o torrão se desmanchou parcialmente. Faz 2 meses. Caiu muitas folhas e alguns galhos secaram da parte que ficou no caminhão. Os demais estão verdes. Teria algum enraizador para eu usar? Essa parte mais sofrida pode se recuperar? Abraços. Gizele.

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  10. Boa noite!
    Há quatro meses fiz o transplante de uma Cassia Imperial, mas estou preocupada porque não sei se ela esta viva ou não, ela tem mais de 40 anos, estou cuidando e fazendo de tudo para sair brotos, estou no aguardo ansiosamente, tenho receio de estar faltando algum cuidado pra ela.

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Eba! Mais matizes nas minhas cores!!

***
Hey there! Thanks for leaving new shades into my colours.

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